quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A viagem na carrinha do pai Pirata

O Índio Pirata, com quase 2 anos, não frequentava a creche; enquanto os pais iam trabalhar, o pequeno Pirata ficava com a Carmo, uma senhora com uma imagem muito delicada e uma pessoa muito doce. Era muito paciente, muito meiga e tinha um jeito inato para cuidar de crianças. Não eram poucas as vezes que eram vistos a passear: ora eram vistos na estação a ver passar os comboios, ora eram vistos a comer uma torrada no café da esquina ou, simplesmente, a dar uma volta ao quarteirão logo pela manhã. Por vezes, também eram vistos no parque em correrias e brincadeiras. O Índio Pirata chegava ao final do dia cansado de tanta brincadeira e as nódoas estampadas na sua roupa espelhavam bem o quanto ele tinha liberdade para se divertir. 
Antes de iniciar os dias com a Carmo, o pai Pirata levava o pequeno Índio numa carrinha especial. Criaram, com esta pequena viagem matinal, uma rotina só deles em que a mãe Índia era excluída. O transporte escolhido foi uma carrinha branca antiga e alta com umas escadas na porta traseira. O Índio Pirata sempre que via passar carrinhas semelhantes gritava pela carrinha do pai e quando o via chegar, ao final do dia, sorria com orgulho. Era a carrinha dos dois.
Era o argumento de ir na carrinha do pai que acalmava o Índio Pirata quando as birras matinais espreitavam. Era na mesma carrinha, com a cadeira do Índio no banco da frente, que o pai lavava os vidros com água do pára brisas. Era à porta grande e pesada desta carrinha que a mãe Índia, em dias em que descia as escadas para ajudar o pai Pirata com os sacos, se despedia dos dois. Era nesta pequena viagem que os dois se divertiam a ouvir música e criavam rotinas a dois. Só dos dois. E à noite, antes de dormirem, conversavam sobre a primeira viagem do dia, como se todos os dias acontecessem coisas diferentes e tivessem novidades para contar.
A mãe Índia desconfiava das peripécias que eles contavam, desconfiava até que eles as inventavam. Umas vezes era a Gata de saltos altos, carregada com os sacos das compras, que ralhava com eles porque iam muito depressa. Outras, era o cão perna longa que se vestia de polícia sinaleiro e os mandava parar só para ouvir a música que eles ouviam de manhã. Algumas vezes, era o pombo que viveu na varanda Este que lhes pedia boleia. Outras ainda, era a desculpa de o comboio ter estacionado na Rua dos Inventores. Até o pato do tio Carlos lhes aparecia para tomar banho com a água do pára-brisas da carrinha. Tudo servia de desculpa para justificar os seus atrasos. A verdade é que eles todos os dias se divertiam, todos os dias tinham uma novidade; nunca saberemos se as histórias que contavam eram verdadeiras ou falsas. É e será sempre um segredo entre o pai, o filho e a carrinha. A carrinha que os conduzia neste percurso era especial, muito especial, não abria a boca para contar nada do que se passava nas viagens matinais. Quase que se pode afirmar que as aventuras matinais eram a três.
Um dia, a carrinha branca, já velhinha, deixou de conseguir fazer a viagem matinal. Estava cansada, não suportava tanta emoção e tanto passeio logo de manhã. Decidiu que iria viver junto ao mar, mudar de visual, descansar e fazer caminhadas curtas. Combinaram, no entanto, que continuariam a viajar juntos 1 vez por semana, com as peripécias e alegria do costume. A frequência com que viajavam na carrinha diminuiu, mas o carinho que sentiam por ela perdurou.
A carrinha branca depois de ter mudado de visual e de ter ido viver para a beira mar:


Créditos de imagem: Wishªcolor

Filho, tu fizeste muitas viagens com o teu pai na carrinha branca de que fala o texto. Este era, efetivamente, um momento dos dois, eu não ia convosco de manhã. É claro que a parte dos animais é invenção minha, no entanto, a água nos vidros, a música e a euforia com que faziam aquela viagem são reais.
Fazendo a analogia com a carrinha do texto, lembra-te que as pessoas, por vezes, deixam de nos poder ajudar/apoiar/acompanhar. Por vezes, não nos podem valer. O importante é que nos valeram, nem que tenha sido uma única vez. O importante é que reconheçamos e sejamos gratos por isso. Ninguém deixa de ser importante para nós só porque deixa de nos ser útil.
Hoje, fazes 23 meses. Parabéns, Índio Pirata da mãe.

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